Toronto 01 de Fevereiro (Foto António Rodrigues)
A teoria do caos aplicada ao futebol português
1. “O pior inimigo do Sporting e Benfica são eles próprios”. O comentário escrito por Filipe Carvalho no site do jornal Record resume o que têm sido os últimos 20, 25 anos do futebol português, desde a altura em que Pinto da Costa começou a transformar um clube que tinha um complexo de inferioridade em relação aos dois grandes de Lisboa numa potência futebolística, temida em Portugal, respeitada internacionalmente.
Olhando para a prova máxima do futebol português desde aí, o FC Porto não só tem o maior número de títulos como até se poderá dizer, sem temor a errar, que a maioria das vezes em que não ganhou foi mais por demérito próprio do que por real superioridade dos seus dois principais rivais. Os azuis e brancos dominam, os encarnados e os verde e brancos procuram contrariar esse domínio. É um cenário de acção-reacção em que o FC Porto figura sempre, no princípio de cada época, como o inimigo a abater pelos dois rivais que, posteriormente, quando falham essa tentativa, se voltam para o seu campeonato pessoal, o da Segunda Circular, no pequeno reconforto dos perdedores.
Lembram-se do resumo simplista da teoria do caos: o bater das asas de uma borboleta da China pode causar um terramoto na Europa? Ora, se aplicarmos o mesmo princípio ao futebol português, teremos, então, a seguinte ideia: quando o FC Porto assume muito cedo a liderança isolada da Liga, com uma grande distância pontual para o segundo classificado, sentem-se tremores de terra na Luz e em Alvalade.
A vantagem portista provocou instabilidade (tremores de terra) ente benfiquistas e sportinguistas. Enquanto Liedson anda por aí a contar nos jornais que no balneário do Sporting se vive uma ditadura imposta por Paulo Bento, no Benfica, Luísão e Katsouranis resolveram dar no relvado do Bonfim (onde os encarnados empataram a uma bola com o V. Steúbal) um triste espectáculo, indigno das camisolas que vestem. Empurrões, insultos – cena feia que poderia ter chegado mais longe não fosse a intervenção de David Luiz e Rui Costa. O árbitro Paulo Paraty deixou passar o caso em claro, o mesmo não fez José Antonio Camacho que mandou os dois jogadores para o balneário mais cedo.
O abismo entre FC Porto e Benfica e Sporting é tão grande que começa a abrir brechas nos balneários dos rivais da capital. Os episódios referidos derivam da pressão que aumenta proporcionalmente quando a distância para o Porto se alarga e os adeptos, mesmo os mais ferrenhos, perdem a esperança.
Ao FC Porto, nesta altura, basta-lhe ser o FC Porto. Só as camisolas impõem respeito. Para o Benfica e Sporting, a dificuldade em se imporem nos jogos fora de casa só demonstra que não é candidato ao título quem quer, mas quem pode - quem tem a capacidade mental para entrar no campo de qualquer adversário com a confiança da vitória estampada no rosto. Não há melhor cura psicológica que a vitória, nem melhor massa para tapar as brechas do balneário.
2. A semana passada, os factos pareciam apontar para uma segunda volta da Liga com o mínimo de competitividade, tendo em atenção a primeira derrota do FC Porto, o que nos daria emoção pelo menos até à Primavera. Foi excesso de optimismo. Esta semana acabou mesmo a primeira volta e os azuis e brancos conseguiram (com a vitória por 1-0 deste domingo frente à Naval) colocar a vantagem em nove pontos para o Benfica e 12 para o Sporting, em apenas 15 jogos. O próprio Paulo Bento não resistiu e depois da derrota por 2-0 no Bessa frente ao Boavista atirou mesmo a toalha: “Podíamos ficar em igualdade com o Benfica se ganhássemos, mas o campeonato, ganhando o FC Porto [como ganhou], está demasiado longe.”
3. Tiago foi considerado pelos leitores do Corriere della Sera, prestigiado jornal desportivo italiano, como o terceiro grande fiasco da Liga de Itália, logo a seguir aos brasileiros Ronaldo (Milan) e Adriano (que entretanto foi emprestado pelo Inter de Milão ao São Paulo do Brasil). O internacional português que este ano assinou pela Juventus, depois de passagens com sucesso pelo Chelsea e pelo Olympique de Lyon, não se conseguiu (ainda) impor no meio-campo da “vechia signora” o que põe em risco a sua participação no Europeu deste ano com a camisola das quinas.
4. Faleceu a semana passada Homero Serpa, o último dos nomes da grande geração de jornalistas desportivos que fez de “A Bola”, nos seus tempos áureos, a “bíblia” do futebol português. Hoje “A Bola” é uma sombra do jornal que foi porque uma geração de ouro não teve substituição à altura ou porque os tempos são outros. Mas para quem, como eu, cresceu a ler “A Bola”, não podia deixar esta morte passar sem a minha sentida homenagem.
(Crónica publicada no dia 8 no jornal Nove Ilhas/Correio Canadiano editado em Toronto )
Olhando para a prova máxima do futebol português desde aí, o FC Porto não só tem o maior número de títulos como até se poderá dizer, sem temor a errar, que a maioria das vezes em que não ganhou foi mais por demérito próprio do que por real superioridade dos seus dois principais rivais. Os azuis e brancos dominam, os encarnados e os verde e brancos procuram contrariar esse domínio. É um cenário de acção-reacção em que o FC Porto figura sempre, no princípio de cada época, como o inimigo a abater pelos dois rivais que, posteriormente, quando falham essa tentativa, se voltam para o seu campeonato pessoal, o da Segunda Circular, no pequeno reconforto dos perdedores.
Lembram-se do resumo simplista da teoria do caos: o bater das asas de uma borboleta da China pode causar um terramoto na Europa? Ora, se aplicarmos o mesmo princípio ao futebol português, teremos, então, a seguinte ideia: quando o FC Porto assume muito cedo a liderança isolada da Liga, com uma grande distância pontual para o segundo classificado, sentem-se tremores de terra na Luz e em Alvalade.
A vantagem portista provocou instabilidade (tremores de terra) ente benfiquistas e sportinguistas. Enquanto Liedson anda por aí a contar nos jornais que no balneário do Sporting se vive uma ditadura imposta por Paulo Bento, no Benfica, Luísão e Katsouranis resolveram dar no relvado do Bonfim (onde os encarnados empataram a uma bola com o V. Steúbal) um triste espectáculo, indigno das camisolas que vestem. Empurrões, insultos – cena feia que poderia ter chegado mais longe não fosse a intervenção de David Luiz e Rui Costa. O árbitro Paulo Paraty deixou passar o caso em claro, o mesmo não fez José Antonio Camacho que mandou os dois jogadores para o balneário mais cedo.
O abismo entre FC Porto e Benfica e Sporting é tão grande que começa a abrir brechas nos balneários dos rivais da capital. Os episódios referidos derivam da pressão que aumenta proporcionalmente quando a distância para o Porto se alarga e os adeptos, mesmo os mais ferrenhos, perdem a esperança.
Ao FC Porto, nesta altura, basta-lhe ser o FC Porto. Só as camisolas impõem respeito. Para o Benfica e Sporting, a dificuldade em se imporem nos jogos fora de casa só demonstra que não é candidato ao título quem quer, mas quem pode - quem tem a capacidade mental para entrar no campo de qualquer adversário com a confiança da vitória estampada no rosto. Não há melhor cura psicológica que a vitória, nem melhor massa para tapar as brechas do balneário.
2. A semana passada, os factos pareciam apontar para uma segunda volta da Liga com o mínimo de competitividade, tendo em atenção a primeira derrota do FC Porto, o que nos daria emoção pelo menos até à Primavera. Foi excesso de optimismo. Esta semana acabou mesmo a primeira volta e os azuis e brancos conseguiram (com a vitória por 1-0 deste domingo frente à Naval) colocar a vantagem em nove pontos para o Benfica e 12 para o Sporting, em apenas 15 jogos. O próprio Paulo Bento não resistiu e depois da derrota por 2-0 no Bessa frente ao Boavista atirou mesmo a toalha: “Podíamos ficar em igualdade com o Benfica se ganhássemos, mas o campeonato, ganhando o FC Porto [como ganhou], está demasiado longe.”
3. Tiago foi considerado pelos leitores do Corriere della Sera, prestigiado jornal desportivo italiano, como o terceiro grande fiasco da Liga de Itália, logo a seguir aos brasileiros Ronaldo (Milan) e Adriano (que entretanto foi emprestado pelo Inter de Milão ao São Paulo do Brasil). O internacional português que este ano assinou pela Juventus, depois de passagens com sucesso pelo Chelsea e pelo Olympique de Lyon, não se conseguiu (ainda) impor no meio-campo da “vechia signora” o que põe em risco a sua participação no Europeu deste ano com a camisola das quinas.
4. Faleceu a semana passada Homero Serpa, o último dos nomes da grande geração de jornalistas desportivos que fez de “A Bola”, nos seus tempos áureos, a “bíblia” do futebol português. Hoje “A Bola” é uma sombra do jornal que foi porque uma geração de ouro não teve substituição à altura ou porque os tempos são outros. Mas para quem, como eu, cresceu a ler “A Bola”, não podia deixar esta morte passar sem a minha sentida homenagem.
(Crónica publicada no dia 8 no jornal Nove Ilhas/Correio Canadiano editado em Toronto )
Justificações
Um tribunal de recurso norte-americano anulou uma decisão de um tribunal de primeira instância que tinha condenado a American Airlines a pagar uma indemnização de 400 mil dólares a um americano de origem portuguesa que tinha sido expulso de um avião por ter sido considerado hostil. João Cerqueira tinha visto o tribunal de primeira instância dar-lhe razão, considerando que a companhia aérea o tinha expulso por discriminação racial. Ao que parece, Cerqueira estava sentado ao lado de dois israelitas e os três foram considerados hostis por uma hospedeira, tendo sido expulsos e impedidos de viajar de Boston para Fort Lauderdale. Tudo aconteceu há cinco anos, ainda o 11 de Setembro estava muito vivo na memória. O tribunal de recurso criticou a decisão do tribunal de Boston, mesmo tendo em conta que a polícia considerou que nenhum dos três representava qualquer ameaça para a segurança e, mesmo assim, a companhia aérea não os deixou viajar. A única ameaça para a segurança era a cor da pele dos três indivíduos.
Portugal convida ao exílio
Chegar aos quase 38 anos e só querer o exílio diz muita coisa de mim e também de Portugal. Quero-me em nenhures, desde que seja para lá da fronteira. De desilusão em desilusão, já nem o jornalismo me parece pátria. Não pelo jornalismo, pelas pessoas que por lá andam. Já nem são os podres de alguns sítios é a escassez do são.
Duas citações
"Não adianta sequer resistir às modas e tendências. Portugal tem um não sei quê genético para polícia de costumes e bufaria engravatada. Está-lhe mesmo nos genes e qualquer Salazar dos novos sabe isso."
Da crónica de Miguel Carvalho (dos poucos repórteres que ainda resistem na imprensa portuguesa) na revista Visão.
"É claro que o Governo tem razão quando diz que não faz sentido colocar um amigo do PSD num cargo desta importância. O que faz sentido é colocar um amigo do PS, naturalmente. Foi para isso que o povo português mandatou o Governo, em 2005. Para retirar da generalidade dos cargos importantes as pessoas próximas do PSD e colocar nos mesmos cargos pessoas próximas do PS.
E renovar a frota automóvel do Estado. Depois, nas próximas legislativas, troca. É essa a essência da nossa democracia, e se Luís Filipe Menezes ainda não percebeu isso, algo vai mal."
Da crónica de Ricardo Araújo Pereira na Visão
Da crónica de Miguel Carvalho (dos poucos repórteres que ainda resistem na imprensa portuguesa) na revista Visão.
"É claro que o Governo tem razão quando diz que não faz sentido colocar um amigo do PSD num cargo desta importância. O que faz sentido é colocar um amigo do PS, naturalmente. Foi para isso que o povo português mandatou o Governo, em 2005. Para retirar da generalidade dos cargos importantes as pessoas próximas do PSD e colocar nos mesmos cargos pessoas próximas do PS.
E renovar a frota automóvel do Estado. Depois, nas próximas legislativas, troca. É essa a essência da nossa democracia, e se Luís Filipe Menezes ainda não percebeu isso, algo vai mal."
Da crónica de Ricardo Araújo Pereira na Visão
Uma morte anunciada
Benazir Bhutto tinha perfeita consciência do perigo que corria ao regressar ao Paquistão nesta altura. E sabia como iria ser difícil sobreviver a uma campanha política num país cada vez mais encurralado entre os militares e o fanatismo islâmico. Mesmo assim, voltou. Porque Bhutto também tinha percebido que esta seria a grande (última?!) oportunidade para tentar recuperar o seu poder político e derrotar o general Pervez Musharraf e os militares que a obrigaram ao exílio.
Envolvida pelos milhares de seguidores do Partido Popular do Paquistão, recebida em apoteose, principalmente em Carachi, cidade mais populosa, capital económica do país, berço da sua dinastia política e centro do poder secular que tem perdido influência nos destinos do país desde o golpe de Estado, Bhutto estava mais vulnerável no norte do país.
E acabou por ser em Rawalpindi, considerada a cidade mais segura do Paquistão, centro do poder castrense que comanda os destinos de uma sociedade fortemente militarizada desde a criação do país depois da desagregação do império britânico da Índia em 1947, que Bhutto não resistiu às balas de um suicida que depois de disparar a sua arma se fez explodir no meio da multidão.
Em qualquer outro país de tradição militar, um atentado contra uma individualidade tão importante na cidade bastião das forças uniformizadas poderia ser entendido como uma profunda humilhação. Tal não acontece no Paquistão. E tal não acontece por duas razões muito simples.
Apesar de ter prontamente condenado o atentado, o Presidente Pervez Musharraf só retira benefícios de mais este incidente sangrento. Não só se livra de um dos vultos políticos que poderia pôr em causa o seu poder (o próximo alvo a abater chama-se Nawaz Sharif, que também já regressou do exílio), como tem mais uma nova oportunidade para exibir a sua mão de ferro contra os extremistas religiosos do país e agradar ao seu grande aliado norte-americano que começava a sentir-se extremamente incomodado pelos imbróglios políticos paquistaneses.
Além disso, poucos acreditam que neste atentado não houve colaboração dos militares. Mesmo que não directamente, pelo menos por inércia. Já no atentado que causou mais de uma centena de mortos na sua chegada ao Paquistão em Outubro, depois de nove anos de exílio, Bhutto tinha apontado o dedo à falta de empenho dos militares em garantir a segurança da sua caravana e dos seus apoiantes.
A relação íntima entre os serviços secretos paquistaneses e os talibãs afegãos é conhecida e está provada. O seu surgimento, fortalecimento e apoio durante os anos 90 nunca teria sido possível sem o Paquistão e o regime militar paquistanês. Em Outubro, devido às pressões internas e externas, Pervez Musharraf resolveu entregar a chefia do Estado-Maior ao general Ashfaq Kiyani, curiosamente alguém que foi chefe dos serviços secretos e do X Corpo do exército situado em Rawalpindi. Quem quiser que retire as suas conclusões.
Quanto a Benazir Bhutto, cumpre com a sua morte a tradição familiar. A mais importante dinastia política paquistanesa (o pai, Zulfiqar Ali Bhutto, primeiro-ministro nos anos 70, chefiou um dos poucos governos sem influência militar na história do país) é também aquela com destino mais negro: Zulfiqar foi enforcado pela ditadura militar em 1979, dois irmãos de Benazir foram assassinados depois.
* Estive no Paquistão e no Afeganistão no começo da campanha militar lançada pelos Estados Unidos depois do 11 de Setembro e entrevistei Benazir Bhutto posteriormente em Lisboa.
Envolvida pelos milhares de seguidores do Partido Popular do Paquistão, recebida em apoteose, principalmente em Carachi, cidade mais populosa, capital económica do país, berço da sua dinastia política e centro do poder secular que tem perdido influência nos destinos do país desde o golpe de Estado, Bhutto estava mais vulnerável no norte do país.
E acabou por ser em Rawalpindi, considerada a cidade mais segura do Paquistão, centro do poder castrense que comanda os destinos de uma sociedade fortemente militarizada desde a criação do país depois da desagregação do império britânico da Índia em 1947, que Bhutto não resistiu às balas de um suicida que depois de disparar a sua arma se fez explodir no meio da multidão.
Em qualquer outro país de tradição militar, um atentado contra uma individualidade tão importante na cidade bastião das forças uniformizadas poderia ser entendido como uma profunda humilhação. Tal não acontece no Paquistão. E tal não acontece por duas razões muito simples.
Apesar de ter prontamente condenado o atentado, o Presidente Pervez Musharraf só retira benefícios de mais este incidente sangrento. Não só se livra de um dos vultos políticos que poderia pôr em causa o seu poder (o próximo alvo a abater chama-se Nawaz Sharif, que também já regressou do exílio), como tem mais uma nova oportunidade para exibir a sua mão de ferro contra os extremistas religiosos do país e agradar ao seu grande aliado norte-americano que começava a sentir-se extremamente incomodado pelos imbróglios políticos paquistaneses.
Além disso, poucos acreditam que neste atentado não houve colaboração dos militares. Mesmo que não directamente, pelo menos por inércia. Já no atentado que causou mais de uma centena de mortos na sua chegada ao Paquistão em Outubro, depois de nove anos de exílio, Bhutto tinha apontado o dedo à falta de empenho dos militares em garantir a segurança da sua caravana e dos seus apoiantes.
A relação íntima entre os serviços secretos paquistaneses e os talibãs afegãos é conhecida e está provada. O seu surgimento, fortalecimento e apoio durante os anos 90 nunca teria sido possível sem o Paquistão e o regime militar paquistanês. Em Outubro, devido às pressões internas e externas, Pervez Musharraf resolveu entregar a chefia do Estado-Maior ao general Ashfaq Kiyani, curiosamente alguém que foi chefe dos serviços secretos e do X Corpo do exército situado em Rawalpindi. Quem quiser que retire as suas conclusões.
Quanto a Benazir Bhutto, cumpre com a sua morte a tradição familiar. A mais importante dinastia política paquistanesa (o pai, Zulfiqar Ali Bhutto, primeiro-ministro nos anos 70, chefiou um dos poucos governos sem influência militar na história do país) é também aquela com destino mais negro: Zulfiqar foi enforcado pela ditadura militar em 1979, dois irmãos de Benazir foram assassinados depois.
* Estive no Paquistão e no Afeganistão no começo da campanha militar lançada pelos Estados Unidos depois do 11 de Setembro e entrevistei Benazir Bhutto posteriormente em Lisboa.
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