o pó nunca mais será o mesmo

o gato sentado na poltrona
junto à janela
molhando com aspereza uma edição da "Utopia"
a mulher deixando-se escorrer
duas lágrimas abaixo
a luz baça da tarde na estante
onde falta o espanador de Nísea e o meu grito de
"nem pense em mexer nisso"
e ela só com "mas é preciso arrumar" e o meu
"quem disse que está dessarrumado"
o gato na secretária roendo as bolinhas de plástico da encomenda livreira
por abrir
a mulher caída na poltrona
de cabeça baixa na semi-escuridão da sala e os filhos
a caminho, no avião,
ele de Sacramento, ela de Londres, parece haver greve dos controladores em Heathrow
e os céus estão um caos
o gato no colo da mulher em pé junto à janela
os filhos bebendo café na mesa da cozinha
Nísea com o espanador pousado sobre as pernas
a cara sem Carnaval
olha a estante pensando que o pó nunca mais será o mesmo

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