A teoria do caos aplicada ao futebol português

1. “O pior inimigo do Sporting e Benfica são eles próprios”. O comentário escrito por Filipe Carvalho no site do jornal Record resume o que têm sido os últimos 20, 25 anos do futebol português, desde a altura em que Pinto da Costa começou a transformar um clube que tinha um complexo de inferioridade em relação aos dois grandes de Lisboa numa potência futebolística, temida em Portugal, respeitada internacionalmente.
Olhando para a prova máxima do futebol português desde aí, o FC Porto não só tem o maior número de títulos como até se poderá dizer, sem temor a errar, que a maioria das vezes em que não ganhou foi mais por demérito próprio do que por real superioridade dos seus dois principais rivais. Os azuis e brancos dominam, os encarnados e os verde e brancos procuram contrariar esse domínio. É um cenário de acção-reacção em que o FC Porto figura sempre, no princípio de cada época, como o inimigo a abater pelos dois rivais que, posteriormente, quando falham essa tentativa, se voltam para o seu campeonato pessoal, o da Segunda Circular, no pequeno reconforto dos perdedores.
Lembram-se do resumo simplista da teoria do caos: o bater das asas de uma borboleta da China pode causar um terramoto na Europa? Ora, se aplicarmos o mesmo princípio ao futebol português, teremos, então, a seguinte ideia: quando o FC Porto assume muito cedo a liderança isolada da Liga, com uma grande distância pontual para o segundo classificado, sentem-se tremores de terra na Luz e em Alvalade.
A vantagem portista provocou instabilidade (tremores de terra) ente benfiquistas e sportinguistas. Enquanto Liedson anda por aí a contar nos jornais que no balneário do Sporting se vive uma ditadura imposta por Paulo Bento, no Benfica, Luísão e Katsouranis resolveram dar no relvado do Bonfim (onde os encarnados empataram a uma bola com o V. Steúbal) um triste espectáculo, indigno das camisolas que vestem. Empurrões, insultos – cena feia que poderia ter chegado mais longe não fosse a intervenção de David Luiz e Rui Costa. O árbitro Paulo Paraty deixou passar o caso em claro, o mesmo não fez José Antonio Camacho que mandou os dois jogadores para o balneário mais cedo.
O abismo entre FC Porto e Benfica e Sporting é tão grande que começa a abrir brechas nos balneários dos rivais da capital. Os episódios referidos derivam da pressão que aumenta proporcionalmente quando a distância para o Porto se alarga e os adeptos, mesmo os mais ferrenhos, perdem a esperança.
Ao FC Porto, nesta altura, basta-lhe ser o FC Porto. Só as camisolas impõem respeito. Para o Benfica e Sporting, a dificuldade em se imporem nos jogos fora de casa só demonstra que não é candidato ao título quem quer, mas quem pode - quem tem a capacidade mental para entrar no campo de qualquer adversário com a confiança da vitória estampada no rosto. Não há melhor cura psicológica que a vitória, nem melhor massa para tapar as brechas do balneário.

2. A semana passada, os factos pareciam apontar para uma segunda volta da Liga com o mínimo de competitividade, tendo em atenção a primeira derrota do FC Porto, o que nos daria emoção pelo menos até à Primavera. Foi excesso de optimismo. Esta semana acabou mesmo a primeira volta e os azuis e brancos conseguiram (com a vitória por 1-0 deste domingo frente à Naval) colocar a vantagem em nove pontos para o Benfica e 12 para o Sporting, em apenas 15 jogos. O próprio Paulo Bento não resistiu e depois da derrota por 2-0 no Bessa frente ao Boavista atirou mesmo a toalha: “Podíamos ficar em igualdade com o Benfica se ganhássemos, mas o campeonato, ganhando o FC Porto [como ganhou], está demasiado longe.”

3. Tiago foi considerado pelos leitores do Corriere della Sera, prestigiado jornal desportivo italiano, como o terceiro grande fiasco da Liga de Itália, logo a seguir aos brasileiros Ronaldo (Milan) e Adriano (que entretanto foi emprestado pelo Inter de Milão ao São Paulo do Brasil). O internacional português que este ano assinou pela Juventus, depois de passagens com sucesso pelo Chelsea e pelo Olympique de Lyon, não se conseguiu (ainda) impor no meio-campo da “vechia signora” o que põe em risco a sua participação no Europeu deste ano com a camisola das quinas.

4. Faleceu a semana passada Homero Serpa, o último dos nomes da grande geração de jornalistas desportivos que fez de “A Bola”, nos seus tempos áureos, a “bíblia” do futebol português. Hoje “A Bola” é uma sombra do jornal que foi porque uma geração de ouro não teve substituição à altura ou porque os tempos são outros. Mas para quem, como eu, cresceu a ler “A Bola”, não podia deixar esta morte passar sem a minha sentida homenagem.

(Crónica publicada no dia 8 no jornal Nove Ilhas/Correio Canadiano editado em Toronto )

Sem comentários: