Dalai Lama, Sócrates e o pragmatismo


Quem critica tão veementemente o governo português pelo facto de não ter aceite receber oficialmente o Dalai Lama esquece-se que, à luz da sua forma de actuar politicamente, Sócrates e os seus ministros não podiam ter feito de outra maneira. O primeiro-ministro português é um socialista da estirpe de Tony Blair, ou seja, acredita que o exercício do poder é mais importante que a ideologia e, por isso, considera que confrontar o governo chinês é contraproducente para os seus interesses, mesmo que esses interesses possam misturar-se com os de um país que cometeu as mesmas ou piores barbaridades contra os tibetanos que os indonésios cometeram contra os timorenses. Tendo sempre em conta as enormes existentes entre os dois territórios (os tibetanos são etnicamente diferentes dos chineses e viram o seu país ser-lhe tirado das mãos; Macau era um território com uma população maioritariamente chinesa administrado por uma potência europeia), será que se os chineses tivessem invadido Macau, como invadiram o Tibete, o Portugal de Sócrates ou de Guterres, e de Cavaco Silva ou de Durão Barroso, teria fechado os olhos a essa acção contrária às leis internacionais e nunca teria tentado mobilizar a opinião pública internacional e as Nações Unidas para conseguir a autodeterminação dos macaenses como o fizeram em relação a Timor-Leste? Não sejamos ingénuos ao ponto de acreditar que o exercício do poder é mais do que a mera gestão de interesses, sempre o foi e sempre será e, tendo em atenção essa gestão de interesses, está fora de questão enfurecer o governo de Pequim (violador comprovado e reiterado dos direitos humanos, sejam os de liberdade de expressão, de liberdade de associação política, de liberdade de associação religiosa, entre outros, e violador das leis internacionais, invadindo um país ou recorrendo sistematicamente à ameaça bélica e à chantagem política para manter Taiwan num limbo internacional há tantos anos). Portugal tem interesses em Angola, como a China, e os dois países andam à procura de estabelecer uma parceria estratégica que se estenda a outros países de África para melhor explorar os recursos do continente. Os chineses têm o poder económico e o dinheiro, mas carecem de maleabilidade cultural para se adaptarem ao pensamento, à cultura e aos hábitos dos africanos. Portugal falta-lhe em dinheiro e poder aquilo que possuem em termos de adaptação. Lisboa e Pequim parecem achar que é um casamento inevitável (made in heaven, como dizem os anglo-saxónicos). O engenheiro Sócrates abomina a ideologia, assim como qualquer questionamento das suas certezas (em relação a tudo ou quase tudo), o que gosta mesmo é de exercer o poder. No fundo, no fundo, o engenheiro Sócrates não viveria mal na China, teria é menos trabalho para a sua central de intoxicação informativa, já que por lá as coisas já se fazem assim há muitos anos e sem os pruridos legais que a democracia ainda lá vai conseguindo, a custo, manter. Foto publicada pelo China Daily aquando da visita de Sócrates à China - o interlocutor é o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao.


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