O romântico chamamento das cataratas

Copyright António Rodrigues 2007

Desde que os irmãos Lumiére filmaram em 1897 essa enorme massa de água a cair de 52 metros de altura que as Cataratas do Niagara fazem parte do imaginário romântico do mundo. O som estrondoso da água que abafa todos os outros ruídos em redor, a bruma permanente que se solta desses mais de 168 mil metros cúbicos que desabam a cada minuto, o duplo arco-íris que se forma nos dias mais límpidos de Verão, tudo se conjuga para compor o postal romântico das luas-de-mel desejadas.
A água baptiza romances, acentua belezas, envolve as conversas num constante estrondear, convida à felicidade, ingénua, que parece eterna. E nós, sentindo uma certa leveza invadindo-nos corpo e espírito, deixamo-nos ir, como se fôssemos crianças, no entusiasmo dessa água que ao cair faz um U gigante de 792 metros de espuma.
Existem três cataratas, no lugar onde o rio Niagara descobre um desnível na sua ligação entre os lagos Ontário e Erie: as duas americanas, menos imponentes, são direitas e a água cai de 21 a 34 metros de altura; do lado canadiano, a precipitação é feita em formato de semicírculo, daí o seu nome – cataratas ferradura (Canadian Horseshoe Falls).
Só nos últimos anos as autoridades canadianas apostaram forte na transformação de Niagara Falls, investindo em hotéis, casinos, museus de cera. No entanto, os túneis por trás das cataratas, uma das grandes formas de sentir o poder das águas (juntamente com a viagem no barco “Maid of the Mist” – Donzela da Bruma), foram terminados no princípio do século XX.
Apesar de Toronto (para onde se pode viajar em voos directos desde Portugal pela SATA ou Air Canada) ficar apenas a 120 quilómetros, foram os americanos quem melhor soube tirar partido das cataratas como atracção turística e quem mais contribuiu para as transformar num dos mais conhecidos símbolos românticos do mundo.

No filme mais famoso que Hollywood produziu com as cataratas como paisagem, “Niagara”, de Henry Hathaway, Marilyn Monroe canta “Kiss” de vestido cor-de-rosa e grandes argolas douradas nas orelhas enquanto planeia assassinar o marido (Joseph Cotten) para ficar com o amante (Max Showalter).
Um filme romântico até à tragédia, onde percebemos como a beleza de Marilyn tinha força até para aguentar o embate com os célebres impermeáveis amarelos usados pelos turistas em Niagara. Esse beijo de uma Marilyn tapada até aos cabelos, molhada pelas águas que caem ao fundo, é uma das grandes cenas que o cinema americano já produziu.
Desde o beijo adúltero de Marilyn Monroe e Max Showalter em 1953, as cataratas já recuaram vários metros. A acção corrosiva de tanta água a cair chegou a “comer” mais de um metro de terreno por ano, hoje, com a acção das barragens e o controlo do caudal do rio Niagara, essa erosão está reduzida a uma média de 30 centímetros anuais.
Formadas há dez mil anos depois da glaciação, as cataratas, que receberam o nome da expressão dos índios iroqueses “trovoada de águas”, estão hoje a muitos quilómetros de distância da sua posição original.
Situadas na fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos, com duas cidades Niagara Falls de ambos os lados, as cataratas ficam apenas a 32 quilómetros de Buffalo (EUA) e a menos de um dia de distância de automóvel dos principais centros urbanos do leste americano: Nova Iorque (767 quilómetros), Washington (683), Filadélfia (683), Detroit (417), Boston (800) ou Chicago (933). Texto originalmente publicado no jornal "24 Horas"

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